Parte superior da 1ª página de O Integralista. |
Gumercindo Rocha Dorea*
A avalanche dos estudos
norte-americanos que, durante muito tempo, vinha obstruindo os caminhos da
verdadeira interpretação histórica da vida brasileira – contemporânea ou não -,
como que diminuiu inesperadamente. Não sabemos se por falta de verbas – o que é
difícil de acontecer, pois as Universidades e Fundações estadunidenses estão
sempre com as bolsas cheias para quem pretende estudar e pesquisar -, ou se
pela falta de motivos que eles consideram e lhes mereçam a atenção.
Não obstante, as livrarias apresentam
sempre novos títulos dos nossos vizinhos do norte. O último logo nos despertou
a atenção, pela simples razão de que muito vivenciamos o tema por ele abordado:
as eleições presidenciais de 1955. Disputavam, nessa época, Juscelino
Kubitschek, Ademar de Barros, Juarez Távora e Plínio Salgado. O título da obra
(muito reduzida, aliás, para o assunto), é: Como se faz um Presidente – A Campanha de JK.
Edward Anthony Riedinger é o
felizardo que, financiado pela Ford Foundation, durante quatro anos (1968
-1972) perlustrou as Universidades de Chicago, Harvard e Oxford, pesquisando
sobre “história brasileira” na Biblioteca do Congresso, em Washington, e em várias
outras do Rio de Janeiro. Lamentavelmente, porém, mais uma vez vimos ser
confirmada aquela assertiva popular de que o parto da montanha deu à luz um
ratinho... e, o que é pior, deformado.
As andanças, os vôos, os jogos
políticos e seus contatos, para todos estes setores a obra de Riedinger pode
servir de roteiro. No tocante às informações sobre as várias personalidades que
circularam na época, entretanto, se tomarmos apenas a figura de um dos
candidatos, Plínio Salgado, imediatamente a desconfiança se implanta, não só
pela superficialidade com que o autor reveste suas análises, como pelas
informações totalmente erradas que transmite aos incautos leitores das
trezentas páginas que compõem o livro.
Se, após quatro anos de pesquisa, o “brazilianist”
norte-americano comete erros tão gritantes nas referências que faz ao criador
do Integralismo brasileiro, como depositar confiança nas outras informações
concernentes à disputa presidencial em que estavam envolvidos Ademar, Juarez e
Juscelino?
Não vem ao caso, neste momento, saber
se Riedinger gosta ou não de Plínio Salgado ou de seu pensamento político.
Critica-se aqui o papel de quem pretende ser historiador e cuja obrigação é
retratar, analisar e concluir, com dados honestamente acumulados e que decorrem
de pesquisas isentas de paixão ou de ressentimentos infundados, quando não
meramente gratuitos. Inverter o ritmo dos acontecimentos, ou deformá-los ao
calor de posições partidárias não é o papel de quem pretende transmitir um
conhecimento adquirido. O falseamento,
as piadas conclusivas ou o erro, como tal, nas informações, não é próprio do
historiador consciente de seu mister.
Vamos aos dados, alguns somente, pois
é-nos impossível, em poucas linhas indicar todos os erros cometidos pelo
financiado pesquisador. A pág. 137, dois deles: “Vargas resolveu criar o seu
próprio regime ditatorial, o líder integralista foi forçado a fugir para o
exílio” e “Kubitschek recompensou Salgado dando-lhe o único cargo executivo
federal que ele exerceu na vida: Plínio Salgado foi diretor do Instituto de
Imigração e Colonização”.
Em que língua o termo “exílio” traduz
uma “fuga”? Exilado foge? Quem está preso, é posto num navio e enviado para o
exterior, contra a sua vontade está fugindo? Washington Luiz fugiu? Júlio
Mesquita Filho fugiu? Euclides Figueiredo fugiu? Miguel de Unamuno fugiu? Pedro
II fugiu? Napoleão fugiu? Não
acreditamos que o professor William H. MacNeill, da Universidade de Chicago,
cujo “profundo e incisivo conhecimento da História foi fundamental” para a “compreensão
do presente e do passado” de Edward Anthony Riedinger, lhe tenha propiciado
tamanho despautério exegético...
Com quatro anos de pesquisa e o
dinheiro da Ford Foundation, como conseguiu o “historiador” norte-americano
saber que Plínio Salgado foi “diretor” do extinto INIC? Esta autarquia foi
entregue ao Partido de Representação Popular, certo, e o signatário destas linhas ocupou, por duas
vezes, mais de uma de suas diretorias. Plínio Salgado, porém, jamais ocupou
qualquer cargo público - a não ser
eletivo- em toda sua longa existência. E muito menos numa simples autarquia
federal.
Há mais. Ficaremos, por hoje, somente
nestes dois erros de palmatória, que dão perfeitamente o tom de aventureirismo
de quem, não participando da vida brasileira, tenta interpretá-la. Para os norte-americanos vá lá, afinal o dinheiro é
deles e a manipulação da História visa atender a objetivos que ignoramos. Mas
para nós, brasileiros, torna-se inconcebível que uma editora, no caso a Nova
Fronteira, lhe dê guarida, sem ressalvas acauteladoras, permitindo-nos, assim,
que lamentemos o dinheiro gasto, que bem melhor seria aproveitado na aquisição
de outro, livro.
Publicado originalmente em “O Integralista”, Rio de
Janeiro: Ano I, Nº 3, Agosto/Outubro de 1989; pág. 2.
* ∑. Editor. São Paulo (SP).